A importação de serviços técnicos

15/10/2020

A exigência de imposto de renda retido na fonte e os tratados internacionais

Em maio deste ano o Superior Tribunal de Justiça julgou o Resp 1.618.897-RJ, no qual conclui pela ilegalidade da exigência de imposto sobre a renda retido na fonte – IRRF sobre o pagamento de serviços técnicos em favor de empresa residente na França. Fundamenta-se no artigo 7 do Tratado para Evitar a Dupla Tributação – TDT celebrado entre o Brasil e a França que, como regra geral, determina que os lucros devem ser tributados no Estado de residência das empresas.

Decisão semelhante já havia sido proferida no RESP 1.272.897-PE, que afastou o IRRF no pagamento de serviços prestados por residente na Espanha.

Não obstante a importância desses precedentes, a questão dos pagamentos de serviços ao exterior continua a suscitar dúvidas, pois a tributação depende da (a) qualificação do prestador; (b) do tipo de serviços contratado e (c) dos termos específicos da convenção ou TDT.

O primeiro ponto a ser analisado é identificar o prestador de serviços: quem presta e onde reside. Pelo texto dos TDTs firmados pelo Brasil (que seguem o modelo da OCDE), lucros auferidos por uma empresa devem ser tributados no Estado de residência. Excepcionalmente, admite-se a tributação pelo país em que se localiza a fonte do rendimento, quando houver um estabelecimento permanente.

Estabelecimentos permanentes caracterizam-se pela atuação habitual e direta da empresa estrangeira, com agentes que tenham poderes para celebrar contratos. Embora seja de extrema relevância no contexto internacional, a lei brasileira não definiu um conceito de estabelecimento permanente.

Quando há um tratado internacional entre os países do prestador e do tomador dos serviços, com exceção das hipóteses em que a empresa estrangeira exerce suas atividades no Brasil mediante um estabelecimento permanente, os respectivos lucros são tributados exclusivamente no Estado de residência.

O segundo ponto a ser analisado é o tipo dos serviços. Serviços que envolvem transferência de tecnologia e assistência técnica usualmente se enquadram no conceito de royalties dos TDT e podem ser tributados tanto no Estado do beneficiário, quanto no Estado da fonte pagadora.

Serviços sem transferência de tecnologia qualificam-se no artigo 7 dos TDTs, como lucro das empresas e devem ser tributados apenas no Estado da residência do prestador, como decidiu veio a decidir o STJ nos REsp 1.161.467-RS, REsp 1.272.897-PE e Resp 1.618.897-RJ.

Esse entendimento foi ratificado pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional que emitiu o Parecer 2363/2013, no qual opinou pela não incidência de IRRF nas remessas ao exterior decorrentes de contratos de prestação de assistência técnica e de serviços técnicos sem transferência de tecnologia que melhor se enquadram no artigo 7º (“Lucros das Empresas”) dos mencionados pactos, ao invés dos arts. 21 ou 22 (“Rendimentos não Expressamente Mencionados”).

De acordo com a Receita Federal do Brasil (RFB) temos que distinguir três categorias de rendimentos, sendo: (i) o pagamento de serviços técnicos e de assistência técnica qualificado como royalties; (ii) o pagamento de serviços de profissionais independentes ou dependentes e o (iii) lucro das empresas (ADI 05/2014).

O último ponto a ser observado é o texto do TDT aplicável. Embora sigam o mesmo modelo, há tratados cujo protocolo permite a equiparação de serviços técnicos e assistência técnica a royalties (por exemplo África do Sul, Bélgica, Canadá, Chile, China, Portugal, etc.) e outros que não.

Os TDTs celebrados com Áustria, Finlândia, França, Japão, Suécia não permitem tal equiparação e, portanto, não admitem a cobrança do IRRF no Brasil, o que foi refletido nas Soluções de Consulta COSIT 109/16 (Finlândia), 153/15 e 501/17 (França) e 65/18 (Suécia).

Por outro lado, quando o exame do texto do TDT e do protocolo classifica rendimentos de serviços técnicos e assistência técnica como royalties, a RFB determinou a incidência de IRRF a alíquota de 15% (Solução de Consulta 155/16 relativa a Argentina e Soluções de Consulta 58/18, SC 5/17 ambas envolvendo o Canada).

Nesse contexto, é importante observar as peculiaridades dos contratos. Uma coisa é contratar serviços técnicos ou assistência técnica diretamente relacionada aos royalties, por exemplo, adquirir direitos de uso de um equipamento industrial e e contratar a assistência técnica. Outra coisa e contratar serviços técnicos sem qualquer vinculação aos direitos subjacentes ao royalty, por exemplo, contratar serviços de segurança de dados não relacionados ao referido equipamento industrial. Deve-se analisar a causa jurídica do pagamento.

Assim sendo, a consolidação da jurisprudência do STJ dá fundamentos para que contribuintes que efetuaram pagamentos de serviços sem transferência de tecnologia, sem a presença de estabelecimento permanente, a residentes em determinados países, pleiteiem a devolução IRRF pago nos últimos cinco anos.